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20 Anos da Qualidade no Brasil
Por: Prof. Oceano Zacharias

Desde que começamos a atuar no mundo da gestão da qualidade, o tempo foi passando mas parece que foi ontem que tudo teve início. Na verdade, a revolução industrial surgiu por volta de 1800, sendo responsável por profundas modificações na sociedade, pois o sistema de produção até então existente era baseado no artesanato, onde a qualidade estava ligada à perícia do artesão. Assim a principal característica deste novo método de produção foi o emprego de componentes intercambiáveis. A industrialização forçou a especialização dos artesões, transformando-os em operários, originando as diversas categorias como mestres, contra-mestres, etc., sendo que a qualidade passou a ser determinada por métodos de inspeção, de forma que os produtos defeituosos eram separados e reprocessados ou em último caso sucateados.

 

 No final do século XIX nos EUA, Frederick W. Taylor, para elevar a produtividade, desenvolveu um sistema de gerenciamento onde o planejamento da fabricação era feito por engenheiros especializados sem contudo aumentar o número de operários envolvidos. A execução do plano de produção era feita por meio dos mestres e contra-mestres observando-se o crescimento do ambiente fabril. Entretanto, o método de gerenciamento Taylor ao enfatizar o aumento da produtividade diminuiu a ascensão do operário sobre a fabricação do produto acarretando um efeito contrário quanto à sua qualidade. Para contornar este aspecto, deu-se ênfase a criação de departamentos de inspeção evitando-se assim que produtos defeituosos chegassem ao consumidor.

 

Novos conceitos de industrialização começaram a surgir com Henry Ford nos EUA. Por volta de 1903, Ford conseguiu fundar a sua companhia e, para melhorar a produção de seus automóveis, desenvolveu um processo de produção mais avançado para a época: uma linha de montagem com deslocamento contínuo, precisão de fabricação, padronização de processos, fornecimento de componentes intercambiáveis feito por alimentadores de esteira. Assim, estes novos processos de produção permitiram aumentar a produtividade bem como reduzir consideravelmente o custo da unidade, popularizando a aquisição do automóvel.

 

 Dessa forma, o que ficou claro nestes tempos era o controle de processos, de tal maneira que a qualidade fosse um aspecto relevante não somente para o produto acabado, mas também para todos os seus estágios de fabricação. Este conceito ganhou fama com os trabalhos pioneiros de um jovem engenheiro americano: Walter A. Shewhart que, a partir de 1924, parte do principio de que todo trabalho industrial tende a produzir um conjunto de dados e, portanto, suscetível de ser analisado por meio dos conceitos da teoria estatística. Também, importante foi o trabalho de W. Edward Deming e Joseph M. Duran, que desenvolveram o sistema de qualidade total no Japão, quando a indústria deste país passou a adotar a melhoria dos processos organizacionais em vez de se concentrar no sistema de inspeção de produtos. Este novo conceito permite que o Japão passe a ser um grande exportador de produtos com qualidade.

 

Assim, após os princípios de Total Quality Management (TQM), no início da década de 1950, novos conceitos surgiram em âmbito mundial, decorrentes do esforço desenvolvido por institutos de pesquisas, iniciativa privada, do trabalho individual de pesquisadores bem como de organizações envolvidas com normas e especificações. A International Standardization Organization (ISO) foi uma dessas instituições que surgiram. A partir de 1987 lançou a série de normas denominadas de ISO 9000, cujo escopo principal foi o de criar um sinergismo entre uma empresa e seus clientes para aumentar o nível de satisfação com referencia à qualidade, por meio de procedimentos padronizados.

 

No fundo, o que mudou foi que até esntão parecia ser muito fácil empreender um negócio, pois o dono, conhecedor de uma atividade profissional, colocava-se à frente de seus empregados e ia atendendo os fregueses no seu velho estilo de preencher o talão de pedido (lembra-se?) – e havia quase uma fila de fregueses interessados. Calcular o preço? Muito fácil: era só ter uma idéia aproximada do custo e multiplicar por três, por quatro, por cinco – dependendo do ramo, Se houvesse alguma dúvida de existência de perdas, aí era melhor garantir o lucro – e então se aumentava mais uns 30%. Pronto. Fácil, não?

 

Hoje, é fundamental para que a empresa sobreviva ter conceitos mínimos de gestão. A ISO 9001 sugere oito princípios para a gestão e melhoria da qualidade em uma organização, desenvolvidos para serem utilizados pela direção e gerência.

 

Foco no cliente - Organizações dependem de seus clientes e, portanto, convém que entendam as necessidades atuais e futuras do cliente, atendam aos seus requisitos e procurem exceder as suas expectativas. Qualidade focada no cliente é um conceito estratégico voltado para a manutenção dos clientes e para a conquista de novos mercados e negócios. Requisita constante sensibilidade em relação às novas exigências, e identificação de fatores quantificáveis que promovam a efetiva satisfação e conseqüente manutenção dos clientes. Flexibilidade e rapidez de resposta a novos requisitos e a futuras necessidades têm que ser levadas em conta. A real compreensão do conceito que “a qualidade é inerente ao produto, porém é julgada pelo cliente” faz a organização procurar e considerar todas as características que adicionem valor ao cliente, buscando sua satisfação e determinando sua preferência. Este primeiro princípio busca enfatizar de forma intrínseca o que realmente significa trabalhar para a efetiva satisfação dos clientes, acabando de vez com banalidades internas sobre o tema, muito comum nas empresas que o desconhecem. Por exemplo, espalhar faixas e banners pela empresa é uma ação inócua, de resultado duvidoso e às vezes até jocoso. A empresa que é focada no cliente deve conhecer o cliente do seu cliente - uma forma segura de poder antecipar-se às necessidades ainda não explicitadas, e que futuramente chegarão. Cabe à direção da empresa, e somente a ela, a incumbência de disseminar este princípio através de seu corpo gerencial.

 

Liderança - Líderes estabelecem a unidade de propósito e o rumo da organização. Convém que eles criem e mantenham um ambiente interno no qual as pessoas possam estar totalmente envolvidas no propósito de atingir os objetivos da organização. Os líderes de uma organização têm o relevante papel de estabelecer e direcionar o rumo da empresa. Cabe aos líderes – diretores, gerentes, chefes etc. – a responsabilidade em transformar em realidade a política e os objetivos da qualidade, tornando-os claros, visíveis e disseminados em toda organização, para que a razão de ser da empresa seja realmente atingida. O reforço dos valores, das expectativas e metas da empresa requer comprometimento e envolvimento de todo o pessoal – e aí entra o papel da liderança: criar um ambiente de trabalho onde as pessoas estejam comprometidas com o sistema da qualidade, estimulando sua participação, seu aprendizado e a criatividade – e boa criatividade pressupõe profundo domínio do assunto e muita transpiração. Através de seu efetivo envolvimento pessoal em atividades como planejamento, comunicação, análise crítica do desempenho do sistema da qualidade, etc., os líderes servem de modelo a ser seguido, reforça os valores e encoraja a iniciativa da melhoria contínua na organização como um todo. Sem uma boa liderança praticamente nada acontece.

 

Envolvimento das pessoas - Pessoas de todos os níveis são a essência de uma organização, e seu total envolvimento possibilita que as suas habilidades sejam usadas para o benefício da organização. O sucesso de uma organização depende cada vez mais do conhecimento, das habilidades, da motivação e da criatividade de sua equipe de trabalho. Por sua vez, o sucesso destas pessoas depende de oportunidades para aprender, experimentar novas habilidades e utilizar a criatividade. As organizações necessitam investir continuamente no desenvolvimento e envolvimento das pessoas por meio de treinamento, educação e de novas oportunidades de crescimento profissional. O envolvimento do pessoal é fundamental para o benefício da própria organização. Mesmo a empresa que coloca em primeiro plano a satisfação do cliente, tem que compreender que esta meta só será atingida através das pessoas que formam a organização e, portanto, não restará outra alternativa senão a de investir com treinamento. Os funcionários devem estar entusiasmados e orgulhosos de fazer parte da organização, pelo menos enquanto nela permanecerem.

 

Abordagem de processo - Um resultado desejado é alcançado mais eficientemente quando as atividades e os recursos relacionados são gerenciados como um processo. Durante muitas décadas, uma empresa foi interpretada de forma departamental, tornando-se um paradigma do desenho de uma organização. Visões distorcidas, ausência de uniformidade entre as partes, carência de uma estratégia holística e a institucionalização de feudos foram - e são - o grande mal desta forma míope de enxergar uma empresa. Enfoque nos processos (e não departamentos) constitui um grande avanço para a obtenção dos resultados desejados, com maior previsibilidade, melhor uso de recursos, tempos de ciclos (produtivos, administrativos e comerciais) mais curtos e, conseqüentemente, custos operacionais mais baixos.

 

Abordagem sistêmica para a gestão - Identificar, entender e gerenciar os processos inter-relacionados, como um sistema, contribui para a eficácia e eficiência da organização no sentido desta atingir seus objetivos. A visão sistêmica é, acima de tudo, enxergar as inter-relações entre as partes, suas ligações, entradas, saídas e dependências. É desta forma que os processos da empresa deverão ser analisados e gerenciados. Enxergar a empresa sob esta ótica – e não pelo tradicional organograma — permitirá à diretoria e liderança atuarem nos pontos nevrálgicos da organização, detectando os pontos críticos de controle, resolvendo os problemas e atuando nas suas causas, e não nos seus efeitos. Afinal, gerenciar é resolver problemas, e só a abordagem sistêmica permite mostrá-los na sua verdadeira essência.

 

Melhoria Contínua - Convém que a melhoria contínua do desempenho global da organização seja seu objetivo permanente. A competitividade de uma organização é conseguida por ações constantes de melhorias na sua qualidade e produtividade. Este princípio refere-se tanto a melhorias incrementais, quanto a revolucionárias ou inovadoras. A melhoria precisa ser fundida ao modus operandi da organização, impulsionando não somente o objetivo de fornecer melhores produtos ou serviços, mas também a necessidade de ser ágil nas respostas, o que representa vantagens adicionais frente ao mercado. Se competitividade é uma meta, então a melhoria contínua deve ser uma obsessão. O ponto-chave nesta questão é entender que melhorias contínuas só são obtidas através de alguma metodologia que contemple: medir (quantificar) o problema; analisar possíveis causas; planejar a eliminação das causas; e medir e acompanhar para certificar que a causa foi eliminada. Solucionar e eliminar problemas requer metodologia. Ler um ou dois livros sobre o assunto e acreditar que o uso das Ferramentas da Qualidade (gráficos, paretos, brainstorming etc.) vão resolver algo é um ledo engano. Estas ferramentas são “ferramentas”, e não metodologias – portanto só funcionam se estiverem vinculados a algum método.

 

Abordagem factual para a tomada de decisões - Decisões eficazes são baseadas na análise de dados e informações. As decisões corretas e eficazes são baseadas em fatos e dados dificultando iniciativas simplórias e subjetivas. Não há mais espaço para se gerenciar com base no achismo. Com certeza informações corretas e adequada comunicação impedem que a política do medo se instale na empresa, oferecendo segurança para quem toma as decisões e para quem as recebe. Medições e informações são essenciais para planejamento, análise do desempenho da melhoria das operações. As organizações competitivas utilizam o profundo conhecimento sobre seus processos e resultados e, portanto, da medição e análise para gerenciar e tomar as decisões necessárias. Não há polêmica que resista a uma base de dados consistente. Benefícios mútuos nas relações com os fornecedores - Uma organização e seus fornecedores são interdependentes, e uma relação de benefícios mútuos aumenta a capacidade de ambos em agregar valor. A idéia de uma organização desenvolver parcerias com fornecedores, e assim melhor atender à realização de suas metas globais é de difícil aceitação e um dos grandes paradigmas do departamento de compras a ser quebrado; essa situação é fruto da própria visão departamentalista da empresa. Reverter este quadro é extremamente vantajoso para as partes. Esta parceria deve procurar um relacionamento de benefícios mútuos, considerando os valores e as estratégias de ambos, prever meios estruturados de comunicação, enfoque para avaliação do progresso e meios para adaptação às mudanças. Iniciativas de treinamento do Fornecedor podem oferecer uma oportunidade para melhoria do desempenho e da qualidade de ambos, o que assegura o sucesso. Se sua organização quer ser tratada como um fornecedor confiável e constante pelo seu cliente, por que a dificuldade de entender e aceitar que seu fornecedor também pode desejar este tratamento por parte da sua empresa?

 

Estes oito conceitos ou princípios são para mim uma das grandes contribuições que, nestes 20 anos, o estudo da Qualidade trouxe para as empresas. Eles devem ser entendidos como as colunas mestras para a edificação da gestão de uma empresa e vão ficar eternamente nos processos de gerenciamento empresarial.

 

Revista Banas Qualidade - Edição 196 - Páginas 106 à 108 - Setembro 2008



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