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Há sustentabilidade na produção do etanol no Brasil?

A produção de cana de açúcar no Brasil data do período colonial e em meados do século XVII, o Brasil tornou-se o maior produtor de açúcar de cana num ciclo que durou 150 anos. Mas isso gerou uma herança maldita: o avanço da fronteira agrícola sobre áreas naturais, principalmente no bioma Mata Atlântica, hoje com somente 7% de sua cobertura original.

Depois disso, passou a um novo ciclo: o Programa Nacional do Álcool (Pró-Álcool), lançado em 14 de novembro de 1975 que depois de dez anos, entre 1986 e 1989, propiciou que mais de 90% dos automóveis fabricados no Brasil eram movidos a álcool hidratado. A produção de etanol atingiu mais de 27 bilhões de litros na safra 2008-2009 e a área dedicada a esse cultivo abrange 6,2 milhões de hectares, 1,7% da área agriculturável e 18,3% da área utilizada para culturas anuais.

Segundo a União da Indústria de Cana de Açúcar (Unica), são 465 mil empregos diretos criados no país. O etanol está presente em 1.042 municípios e uma simulação feita por professores da USP mostra que 15% de substituição de gasolina por etanol em nível nacional geram 118 mil empregos líquidos, com uma massa salarial adicional de R$ 236 milhões anuais. Na área ambiental, desde 1975 o uso de etanol em substituição à gasolina permitiu uma redução de emissões de 600 milhões de toneladas de CO2, o equivalente ao plantio de 2 bilhões de árvores. Especialistas afirmam que para cada litro de etanol consumido US$ 0,20 deixam de ser gastos na mitigação de gases causadores do aquecimento global.

Contudo, há críticas. Práticas monoculturais em grandes extensões de terra têm sido apontadas por movimentos sociais e ambientalistas como geradoras de desigualdades no campo. A ausência de um ordenamento jurídico eficaz da estrutura fundiária brasileira, capaz de regular e limitar os usos das propriedades, associado à disponibilidade de mão-de-obra barata, tem contribuído para a expansão das monoculturas. Impactos sobre a da agricultura familiar e mudanças no padrão de produção agrícola têm sido verificadas em regiões de São Paulo que se especializaram na produção de cana-de-açúcar.

Outro problema: o uso da mão-de-obra migrante é uma estratégia para baixar os custos de produção do setor sucroalcooleiro, uma vez que em grande parte a admissão desta mão de obra é feita sem registro trabalhista ou por intermédio de contratantes ilegais denominados gatos. Alojados em casas dentro dos canaviais ou nas periferias das cidades das regiões canavieiras, longe dos familiares e sem acesso às redes locais de proteção (sindicatos, pastorais da terra e migrantes e outros) estes trabalhadores ficam à mercê da vontade dos empregadores.

Da mesma forma, o trabalho não remunerado e reminiscências do trabalho escravo ainda são comuns em regiões sem alternativas de ocupação. Nesse cenário, os trabalhadores assalariados acabam contribuindo com a precarização, uma vez que forçados a atingirem as metas de produção no corte da cana envolvem suas mulheres e crianças como força de trabalho complementar desprovida de garantias e direitos trabalhistas.

A mão-de-obra na agroindústria canavieira é empregada nas fases de produção de mudas, plantio, combate de formigas, conservação de estradas e carreadores, operação de máquinas, colheita manual e retirada de sobras. De todas essas atividades a de maior demanda por mão de obra é a colheita manual responsável por mais de 60% do contingente de trabalhadores. A forma de pagamento utilizada nessa fase é o regime de produtividade do trabalhador, no qual o rendimento mensal fixo é acrescido em função de maior desempenho no corte da cana.

A produção média dos trabalhadores da região de Ribeirão Preto atinge hoje 12 toneladas por dia, enquanto que nos anos 1980 era de 6 toneladas por dia. Apesar da exigência de produtividade ter dobrado em 20 anos, o piso salarial dos cortadores da cana foi reduzido praticamente à metade.

Além disso, estudos demonstram que a introdução de inovações tecnológicas – em particular da colheita mecanizada – nem sempre acabam com as condições insalubres e penosas a que são submetidos os trabalhadores da cana, nem tampouco reduzido o número de queimadas nos canaviais: encontram-se casos de manutenção da prática da queima dos campos de cana antes da colheita mecanizada, aparentemente porque as colheitadeiras mais antigas e menos potentes têm nestas condições seu rendimento aumentado em até 30%.

Os especialistas dizem que a produção agrícola da cana-de-açúcar em grande escala e a produção industrial de etanol em destilarias têm como principais impactos sobre os solos a redução da disponibilidade hídrica decorrente da captação superficial de água e a indução de processos erosivos – e conseqüente assoreamento – dos corpos d’água superficiais. Além disso, apresenta riscos de contaminação do solo e dos recursos hídricos, pelo uso de fertilizantes e defensivos agrícolas e pela disposição inadequada do vinhoto.

Utiliza-se em média 200 kg de NPK por hectare de cana, mas este número varia em função das necessidades do solo e da distância em relação à destilaria. Em áreas próximas a estas, a utilização da fertirrigação com vinhoto diminui a necessidade de utilização de fertilizantes químicos. A quantidade de fertilizantes químicos utilizados na produção de cana de açúcar tende a reduzir-se com o avanço tecnológico porque este insumo chega a representar até 35% do custo da produção.

No ciclo de produção industrial do etanol de cana-de-açúcar os principais efluentes líquidos que podem ser lançados aos corpos d’água são: vinhoto (resíduos da destilação do melaço fermentado para obtenção do álcool), que apresenta altas DBO e DQO; água da lavagem das dornas (recipientes de fermentação), com composição semelhante ao vinhoto, mas mais diluído (cerca de 20% de vinhoto), as águas de lavagem da cana antes da moagem, que têm teores consideráveis de sacarose; principalmente no caso da cana queimada, e matéria mineral e vegetal (terra e pedregulhos aderidos); as águas provenientes dos condensadores barométricos e dos evaporadores que contem açúcares arrastados em gotículas; água de remoção química (com soda ou solução de ácido clorídrico) de incrustações, cuja composição varia muito, mas apresenta predomínio de fosfatos, sílica, sulfatos, carbonatos e oxalatos.

Pelo volume e potencial impacto fica claro que a gestão adequada destes efluentes é fundamental para que não se comprometam os cursos d’água do entorno das plantas de produção de etanol. Felizmente, estes efluentes podem ser utilizados como fertilizantes nos campos produtores de cana-de-açúcar.

Quanto aos os impactos à saúde e ao meio ambiente das emissões provenientes das queimadas de canaviais na região Sudeste do Brasil, área de maior concentração de cultivo de cana-de-açúcar, são fortemente negativos. As queimadas dos canaviais têm impactos sérios sobre o meio ambiente a saúde das populações vizinhas porque: emitem eteno à atmosfera, além de outros hidrocarbonetos que são precursores da formação do ozônio troposférico, principal substância componente do smog e responsável por aumentos na frequência de problemas respiratórios em seres humanos; emitem à atmosfera ácidos e compostos que podem ser convertidos em ácidos que, uma vez depositados na água e solo aumentam a acidez do meio; a acidificação apresenta conseqüências como declínio florestal, mortandade de peixes, corrosão de metais e desintegração de revestimento de superfícies metálicas e de materiais minerais de construção; emitem compostos tóxicos que atingem fauna e população humana por meio da respiração de ar com concentrações eventualmente elevadas.

Os principais resíduos produzidos pelas destilarias de álcool são: o bagaço proveniente da moagem da cana para extração do caldo, composto basicamente de celulose, com teor de umidade entre 40 a 60%; a torta de filtração do lodo gerado na clarificação, com resíduos solúveis e insolúveis da calagem, rica em fosfatos; as pontas de cana, proveniente do corte da cana para moagem, praticamente toda utilizada para alimentação animal.

O bagaço é produzido em grandes quantidades: uma tonelada de cana produz cerca de 140 quilos de bagaço, dos quais 90% são usados na produção de energia (térmica e elétrica). Já a torta é utilizada para condicionamento de solos e produção de ração animal.

A Única se defende

O etanol brasileiro apresenta a maior produtividade em litros por hectares quando comparado às demais alternativas. Enquanto o etanol de cana brasileiro produz cerca de 6.800 litros por hectare, o de beterraba europeu não ultrapassa 5.500 litros por hectare e o milho americano aproximadamente 3.100 litros O hectare. Além das implicações diretas nos custos de produção do etanol, a produtividade em litros por hectares também é um importante fator relacionado à crescente escassez de recursos para produção de alimentos e energia.

A utilização de fertilizantes na cultura de cana-de-açúcar no Brasil é baixa (aproximadamente 0,425 tonelada por hectare). Isto se deve principalmente à utilização de resíduos industriais da produção do etanol e açúcar, como a vinhaça e a torta de filtro, como fertilizantes orgânicos. Além disso, o uso da palha da cana deixada sobre o solo após a colheita, principalmente nas áreas mecanizadas, vem a otimizar todo este processo em termos de reciclagem de nutrientes e proteção do solo.

O uso de inseticidas na cana-de-açúcar no Brasil é baixo e o de fungicidas é praticamente nulo. As principais pragas da cana são combatidas através do controle biológico de pragas e com a seleção de variedades resistentes, em grandes programas de melhoramento genético.

A cultura da cana no Brasil é reconhecida hoje por apresentar relativamente pequena perda de solo (cerca de 12,4 toneladas por hectare). Esta situação continua melhorando com o aumento da colheita sem queima da palha de cana e com técnicas de preparo reduzido, levando a perdas e valores muito baixos, comparáveis ao plantio direto em culturas anuais.

A cana-de-açúcar no Brasil praticamente não é irrigada. As necessidades hídricas, na fase agrícola, são sanadas naturalmente pelo regime de chuvas das regiões produtoras, principalmente no centro-sul do país, e complementadas pela aplicação da vinhaça (subproduto da produção do etanol que é rica em água e nutrientes orgânicos) em processo chamado de fertirrigação. Os níveis de captação e lançamento de água para uso industrial têm sido reduzidos substancialmente nos últimos anos, de cerca de 5 metros cúbicos por tonelada para cerca de 1 metro cúbico por tonelada processada.

Toda energia utilizada no processo industrial da produção de etanol e açúcar no Brasil é gerada dentro das próprias usinas a partir da queima do bagaço da cana. Este processo, chamado de cogeração, consiste na produção simultânea de energia térmica e energia elétrica a partir do uso de biomassa, capaz de suprir as necessidades da usina e prover energia excedente para a rede pública de energia elétrica.

Fonte: Qualidade Online



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